terça-feira, 3 de novembro de 2009

Dom Pedro II no Baixo São Francisco (Sesquicentenário de uma visita)

Dom Pedro II no Baixo São Francisco (Sesquicentenário de uma visita – I)
Jornal da Cidade - Aracaju/SE - 25 de outubro de 2009
Texto: L.F.R. Soutelo (Escritor e historiador)


A viagem e o seu sentido - Neste mês de outubro o calendário histórico de Sergipe assinala o transcurso dos cento e cinquenta anos da visita que o Imperador Dom Pedro II fez ao baixo São Francisco, desde a sua foz até a cachoeira de Paulo Afonso. Esta visita se enquadra numa viagem mais ampla que o Imperador enfrentou entre outubro de 1859 e fevereiro do ano seguinte, indo às províncias da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe e do Espírito Santo.

Desde a década anterior, pessoas ligadas à Família Imperial, como o diplomata Visconde de Porto Seguro e a Princesa de Joinville, irmã do monarca, advogavam a idéia de que era preciso o Imperador viajar, mostrar-se aos súditos. Era uma forma de reforçar os laços que ligavam a sociedade e a monarquia, evitando que o prestígio, ainda reinante, devido à causa do trono, fosse perdido.

Aliás, o próprio Porto Seguro sugeria a Dom Pedro II transferir o parlamento e o governo para Pernambuco por um ano, como uma forma de superar as possíveis diferenças que remanesceram entre os pernambucanos e o governo central em decorrência da Revolução Praieira (1849).

A Dom Pedro II não devia ser desconhecida a importância de sua presença junto aos súditos. Já em 1845, ele colhera pela primeira vez os resultados de viajar pelas províncias do sul: Rio Grande do Sul, logo após a vitória das tropas imperiais em face dos Farroupilhas, Santa Catarina e São Paulo, e mais tarde a algumas cidades e vilas da província do Rio de Janeiro (1847).

E os ganhos não foram apenas no plano político, mas também no campo pessoal. No retorno à Corte, em abril de 1846, o ministro Rechberg, da Áustria, evidenciava a boa impressão causada pelo jovem Imperador de 21 anos incompletos, pois ele “cresceu consideravelmente e ganhou aplomb que parece indicar um caráter firme e decidido” (LYRA, 1977: 147).

Obviamente as viagens imperiais tinham um objetivo político, como vimos, diante da necessidade de que ele “fosse visto por todo canto, prestigiando assim as localidades mais distantes. A presença de d. Pedro II em outras cidades e províncias era mesmo necessária até para que a monarquia se fortalecesse e preservasse a unidade nacional” (SCHWARZ, 1998: 357).

O reforço das ligações entre o monarca e a sociedade local dá-se também com a concessão de
títulos nobiliárquicos, condecorações e outras honrarias.

Finda a viagem imperial, em 1860, Dom Pedro II faria em Sergipe três barões – Itaporanga, Japaratuba e Propriá, trinta e seis comendadores das Ordens de Cristo e da Rosa, trinta oficiais da Ordem da Rosa e quarenta e três cavaleiros da mesma Ordem, além de dois cônegos horários da Capela Imperial.

As observações do Imperador em sua “longa” viagem, de cinco meses, estão nos diários que escreveu.

Estes, de viagem ou não, encontram-se entre os documentos do Arquivo da Casa Imperial. Levados para a França, após o 15 de novembro de 1889, foram organizados no Castelo d´Eu pelo historiador Alberto Rangel. Nos anos trinta, toda a documentação foi doada ao Museu Imperial (exceto algumas cartas de família) pelo Príncipe do Grão Pará, primogênito da Princesa Isabel, embora somente chegasse ao Brasil após a Segunda Guerra Mundial.

O diário de Sergipe foi publicado pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico (no. 26), a Revista de Sergipe (nº 7) e em Sergipe e seus monumentos, de José Anderson do Nascimento, além de estar no original e transcrito num cd editado pelo Museu Imperial. Não constitui na realidade um diário propriamente dito, pois Dom Pedro II nunca o escreveu. São simples notas para futuro aproveitamento.

A viagem à cachoeira de Paulo Afonso, que inclui a passagem pelas cidades e vilas ribeirinhas do São Francisco, está no diário da visita à província da Bahia, esta desenvolvida em três etapas distintas.

Na preparação da viagem, expediram-se ordens para as províncias a serem visitas, dentre elas uma era expressa: não deviam ser realizadas despesas extraordinárias à custa dos governos locais. Dizia o documento “(...) e que como seus habitantes podem querer fazer gastos extraordinários para solenizar tão honrosa visita, S. Exa. previne que conquanto S. M. o Imperador aprecie decididamente todas estas demonstrações, será muito do Imperial agrado, que os donativos com que conjurem concorrer para este fim possam ser aplicados em benefício das localidades que o mesmo Augusto Senhor visitar” (APES G1235 – Ofício do Ministro do Império ao Presidente da Província de Sergipe, datado de 15 de setembro de 1859).

Por sua vez, instado a opinar sobre o roteiro da viagem, o Presidente Manuel da Cunha Galvão opinava que o Imperador podia ir de Salvador a Penedo, de Penedo a Propriá, de Propriá a Traipu, de Traipu a Piranhas, viajando embarcado, e de Piranhas a Paulo Afonso, a cavalo, pelo território alagoano. E colocava que, na volta, o monarca podia pousar em Vila Nova (atual Neópolis), na casa de Bento de Melo Pereira, Barão da Cotinguiba (APES – G1235 – Ofício anteriormente citado).

O Imperador Dom Pedro II que visitaria os seus domínios do norte não é mais o rapazinho de vinte anos que estivera, em 1845, na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. É um homem de trinta e quatro anos, em pleno vigor físico, casado há dezesseis anos, pai de duas filhas, pois os dois herdeiros varões – os Príncipes Dom Afonso e Dom Pedro Afonso, morreram pequenos. Nesta altura da vida, encontrara aquela de quem se pode dizer que foi o amor de sua vida: D. Luísa Margarida Portugal de Barros, futura Condessa de Barral.

Estava à frente do governo há exatos dezenove anos. Enfrentara as revoltas internas no Rio Grande do Sul, em São Paulo, em Minas Gerais e em Pernambuco, além de uma guerra externa, contra Rosas, ditador argentino. Agora o Império, não obstante as suas contradições internas, estava sob a égide da paz. Libertando-se do círculo áulico, do qual Aureliano Coutinho e Paulo Barbosa da Silva eram as mais expressivas figuras, firmara a sua autoridade, exercendo um controle mais estrito sobre o governo, o chamado “poder pessoal”, tão criticado pelos opositores do regime, e a política nacional.


Bibliografia

1.LYRA, Heitor. História de Dom Pedro II, São Paulo/Belo Horizonte: Editora da Universidade de São Paulo/Editora Itatiaia, 1977.

2.SCHWARZ, Lilia. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos, São Paulo: Companhia das Letras, 1998


Dom Pedro II no Baixo São Francisco (Sesquicentenário de uma visita – II)
Jornal da Cidade - Aracaju/SE - 01 de novembro de 2009
Texto: L.F.R. Soutelo (Escritor e historiador)


Os cerimoniais - Outro ponto a considerar é que as viagens de um chefe de estado, em qualquer quadrante do mundo, não têm caráter privado, mas um cunho oficial, sendo cercada de atos e procedimentos protocolares.

O sentido de estado, de governo e de poder está indissoluvelmente ligado ao de cerimonial. Nas monarquias este sentido é muito mais presente, podendo-se dizer que é intrínseco a elas, na medida em que aproxima a casa reinante e os habitantes do país. No Brasil, o regime monárquico não fugiu à regra, tantos são os símbolos, as cerimônias introduzidas, inicialmente, pela corte portuguesa e, de modo especial, por Dom Pedro I na época da Independência.

Aliás, a própria definição de cerimonial é clara, pois se trata da “sequência introduzida pelo uso e pela vontade das pessoas autorizadas, dos diferentes partes de uma cerimônia política, religiosa, judiciária ou mesmo privada” (Novel Larousse Illustré. In: SPEERS, 1984: 26)

Na monarquia, mesmo nas parlamentares, é o monarca o foco das atenções, o centro de onde partem todos os princípios de protocolo e é ele quem dita as de cerimonial. Na Inglaterra, por exemplo, a definição da precedência parte do monarca, passando pelo seu consorte, pelos filhos homens, pelo Arcebispo de Cantuária, pelo Lorde Grão Chanceler, pelo Arcebispo de York (representantes da coroa). Somente depois vem o Primeiro-Ministro.

A de Dom Pedro II, mesmo no longínquo São Francisco, esses procedimentos estão presentes porque “símbolo vivo do Estado e da nação, o Império termina por encarnar-se em sua pessoa, refletindo em certa medida, a natureza dupla da Constituição, expressa na doutrina do quarto poder, o poder moderador”.

Por esta razão, “o segundo imperador dos brasileiros reapropriava-se das fórmulas tradicionais da realeza européia. Essa limitação não era uma falsa cópia. Ao contrário, fundava-se inteiramente no direito. Prolongada na América graças a esse príncipe, a monarquia reproduziu em sua dimensão mágico-simbólica os mesmos esquemas da Europa. A idéia da realeza como sustentáculo da autoridade e da ordem era muito forte. Por outro lado, a centralização política do Estado imperial favorecia essa imagem centrada na pessoa do monarca representando a nação, ou seja, a nação era vista e sentida através de seu soberano, que focalizava sobre si todos os olhares, atualizando atitudes mentais bem-definidas” (RIBEIRO, 1995:103)

Assim, as viagens do Imperador em qualquer dos quadrantes do país, faziam parte da formação da imagem da monarquia. Quem viajava não era o homem, mas o símbolo do Império. E, por esta razão, elas eram cercadas durante todo o tempo (antes, durante e depois) por cerimônias.

Na véspera da partida para o norte, Dom Pedro II e D. Teresa Cristina receberam os cumprimentos das altas autoridades do governo, de funcionários públicos e pessoas gradas da Corte, seguidos – no dia seguinte – com as despedidas do corpo diplomático, no Arsenal de Marinha. Embarcados os soberanos no vapor “Apa”, este deixou a baía da Guanabara, comboiado pelos navios de guerra “Amazonas”, “Paraense” e “Belmonte”, seguido – até fora da barra – pelo “Paraíba”, “D. Pedro” e o “Concórdia”, da marinha espanhola, com a marujada nas vergas.

Ao “espetáculo se juntavam as salvas das fortalezas, as continências militares e o agitar dos lenços da assistência popular nas amuradas dos cais e alto dos morros” (SODRÉ, AMI: 22)
Na chegada às cidades e vilas visitadas, outras cerimônias tinham lugar: recebimento pelas autoridades locais, entrega da chave da cidade, beijo ao Crucificado, ida à igreja matriz sob o pálio, Te Deum, alocuções, beija-mão, etc. A Guarda Nacional, em alas, as irmandades mais importantes com os seus representantes trazendo a opa correspondente formavam o décor para o cerimonial.

O próprio traje de Dom Pedro era cuidadosamente escolhido e ligava-se à formação da idéia do símbolo da nação. Ao desembarcar em Penedo, ele usava a segunda farda de almirante, constituída de uma “casaca preta com dragonas douradas, calça branca de listras também a ouro, faixa azul sobre o colete branco, contrastando admiravelmente. O peito cintilava de medalhas” (DUARTE, 1975: 43)

Na capital das províncias o traje era o primeiro uniforme de almirante.

Todos estes “cerimoniais” obedeciam a regras estabelecidas, por instrução do Ministério do Império, em cada uma das províncias visitadas, baixadas pelos seus presidentes.

As partidas eram solenizadas e, na chegada à Corte, novas cerimônias repetiam-se.

Isto porque “com d. Pedro II viajavam também os rituais monárquicos e alguns cerimoniais: disposições para a partida do imperador e seu séquito, os programas municipais para a chegada do soberano a diferentes cidades, as recepções grandiloquentes em seu retorno à corte; nestas, os moradores eram instruídos a iluminar a frente de suas casas e orná-las com tapeçarias, ao mesmo tempo em que as ruas, pelas quais passasse o cortejo imperial deveriam ser areadas e juncadas de folhas e flores. Se o cenário variava: o script era o mesmo: precisão e pompa” (SCHWARZ, 1998: 358)

Ao chegar ao Rio de Janeiro, em fevereiro de 1860, Dom Pedro II e D. Teresa Cristina foram recebidos com recepção entusiástica que “nunca mais poderá riscar-se da memória dos Fluminenses”. Navios engalanados, salvas das fortalezas, desembarque no Arsenal de Marinha, na companhia das filhas, que os foram encontrar, cumprimentos do corpo diplomático, cortejo, sob o pálio, até a Capela Imperial, entre alas de soldados, arcos de triunfo, foguetório, recebimento, na entrada do templo, pelo Bispo Capelão-Mor e pelo cabido, Te Deum e iluminação da cidade à noite.


1. DUARTE, Abelardo. Dom Pedro II e D. Teresa Cristina nas Alagoas, Maceió, 1975

2. RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Os símbolos do poder: cerimônias e imagem do Estado Monárquico no Brasil, Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1995

3. SCHWARZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos, São Paulo: Companhia das Letras, 1998

4. SPEERS, Nelson. Cerimonial para Relações Públicas, São Paulo; Hexágono, 1984

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enviado por lucas Passos
danilo feop

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